Tuesday, November 28, 2006

Nada mais que a palavra...

Descobri que para o escritor nipónico Murakami "as palavras são na maior parte das vezes inúteis" mas como o próprio refere "são tudo o que tenho enquanto escritor". Não quero afirmar-me como escritora, porque ainda não o sou. Como dizia, e muito bem, uma professora minha de português: "a escrita é um processo de reescrita". Verdade. Escrevo e reescrevo com palavras, a única coisa que sei fazer, na realidade. Pego em letras, junto-lhes o pormenor da sintaxe, dando origem a palavras. Conjugo-as com a liberdade do pensamento criativo e nascem frases. Não sei fazer outra coisa.

Escrevo com o coração. Parece lamechas? Pronto, reformulo. Escrevo com a linha que define a minha forma de ser: a sentimentalidade premente em cada linha ou em cada parágrafo. Aprendi a exprimir-me por escrito, a criar um mundo a que só eu tenho acesso quando me encontro a sós com uma página de Word ou com uma qualquer folha de papel. Com teclado ou com caneta deixo as ideias fluir e escrevo.

Não sou escritora. Talvez um dia possa dizer que sim. Ou talvez não. Talvez seja apenas uma aprendiz de escrita e provavelmente sempre o serei. É um processo. Um crescimento por palavras num papel ou mesmo num guardanapo de café. Não interessa o local. A hora do dia é mais nocturna. Mas não faz disso uma regra. Escrevo quando a vontade aperta. Um encontro solitário. Uma palavra. Uma frase. Eu. Apenas escrevo.

Porquê? Não sei fazer outra coisa. Um pintor provavelmente responde que não é capaz de passar sem umas pinceladas numa qualquer tela. Eu não sou pintora. Talvez pinte com palavras, quem sabe. Mas também não sou escritora. Apenas escrevo.

Um rabisco, uma qualquer sequência de sentimentos numa folha em branco. Não sei fazer mais nada. Apenas...Escrevo.

Sunday, November 26, 2006

FUCK OFF...

"Fuck off...Fuck off...Fuck off...
Porque a palabra está na ordem do dia e a costela nortenha na ementa.
Porque o meu bocabulário se resume a isso e mai nada.
Porque não há pachorra e porque me apetece.
E porque não: só porque sim?

Nem mais: Fuck off...Fuck off...Fuck off!!!"

V

Tuesday, November 21, 2006



How Soon Is Now?

Uma canção de sensações, de formas de sentir. Uma introdução. Uma pequena
estória cronometrada.

"Falavas de intensidade, ou não era bem isso? Não sei, tenho fraca memória para palavras. A minha memória é feita de sentidos. Um cheiro, um paladar…
Sensações que me tocam. As palavras perdem-se no meio desse marinar de sentidos. Se calhar fui eu. Se calhar sou eu que sinto tudo com intensidade e perco-me. Fico sem referência geográfica. Fico sem norte. A minha bússola indica todas as outras direcções menos o norte. Faz sentido. O norte não pode ser indicado, apenas sentido. É aí que mora a minha intensidade, no sentir. Talvez por isso perca a direcção de um norte. Anulam-se um ao outro. Se sinto tudo com intensidade e o norte só pode ser sentido? Anulam-se.
O norte perde-se nesse espaço de grandeza. Procuro refúgio no tempo, numa ampulheta de mais do que 3 segundos. Porquê 3 segundos? Não sei. Talvez seja o espaço de tempo para perceber que erro. Erro na minha forma de sentir. Ou talvez seja a força de uns míseros 3 segundos que me faz sentir assim: intensamente.

Não é fácil gerir esse espaço. Sobretudo quando não se sabe o que o outro sente ou melhor quando se sabe que o outro tem uma ampulheta diferente. Diferente não por anatomia mas por temporalidade. Demora mais tempo a sentir com intensidade. Como gerir um tempo que não é meu nem é de outro, mas que é de uma força de sentir? 3 segundos. 3 segundos apenas. 1…2…3…e pronto nasce a intensidade. Resta-me o silêncio. Não falo. Não escrevo. Sinto. Pequenas doses, separadas, fragmentadas. É assim que a areia desliza na minha ampulheta. Descompassada com a tua certamente. O problema é meu. Nasci com um cronómetro de ordem decrescente. De apenas 3 segundos. Será preciso mais tempo? Não sei. "
V

How soon is now? You shut your mouth, how can you say I go about things the wrong way...

Monday, November 20, 2006



MUPPETS and MOPSTERS

Há uma grande diferença entre uma coisa e outra. Um muppet é um boneco-marioneta que certamente a maioria reconhece de ter assistido aos Marretas. Um mopster é simplesmente um trocadilho com a palavra mop. E é portanto uma pessoa irritante, daquelas que adoram "limpar" os nervos dos outros, claro.

Talvez o termo seja mesmo comichoso. Gostam de fazer reparos a tudo o que sai fora da sua jurisdição interpretativa mas rejeitam qualquer acerto relativamente à sua postura. Falam pelos cotovelos como se fossem donos da verdade e não toleram interrogações. Talvez se consultassem um dicionário diferente veriam que hoje em dia tudo é uma interrogação. Até no preço de uma mera bolacha maria. Compro ou não compro?

Um muppet ao menos tem carisma. Não precisa de usar os resíduos de outrém para se sentir "gente". Além de ser muito fofo, ainda tem a vantagem de ter uma locução destinada unicamente a si. Podem ser controlados por outros, mas não deixam de ter presença. Um muppet é um boneco. Um mopster é um utensílio de cozinha quanto muito.

I'm odd looking. Sometimes I think I look like a funny muppet. E fazer figuras tristes já não é sinónimo de alarvice. So, who cares???

Sunday, November 19, 2006

Uma, is that you?



Quando os franceses estão pra aí virados, o sentido de humor fica-lhes mesmo muito bem. Ora vejam esta capa da Premiere. E leiam o link.

http://www.premiere.fr/evenements/2006/11/le-making-of-des-30-ans-chabat-joue-uma-thurman.html

Quem se lembra do "Le Goût des autres" não vai estranhar que o senhor Alain Chabat se tenha convertido numa thurman-woman de Tarantino. O realizador é amado chez la terre de lo queijo camembert ou brie.

Um gosto por homenagear o cinema, muito ao estilo francês. E sem dúvida das melhores capas de revista de todos os tempos.

O que diria Uma Thurman? Qui ça...


Sunday, bloody freakin sunday

Os domingos são irritantes.
Se já por si a palavra domiiinggoo tem uma elevada dose de pasmaceira no sangue, imagine-se o que acontece aos domingos nesta recta final até ao natal. As ruas viram um amontoado de gente que se atropela, os enfeites típicos desta época são os directores de fotografia do evento e a luz solar a desaparecer por volta das 18h completa o set filmico.

Se por acaso uma pessoa precisa de um qualquer ingrediente para o jantar, sim porque uma pessoa precisa de alimento, e é forçada a sair de casa então está tudo estragado. Uma qualquer fila de supermercado faz subir a temperatura raivosa e quase que dá vontade de estrangular o caixa por registar os preços a velocidade de caracol. Como é óbvio o senhor ou a senhora da frente não repararam que estou carregada e que tenho menos compras e fazem questão de esperar por não sei quem, que à última da hora se esqueceu de qualquer coisa e voltou para trás. Não há pachorra. E ainda menos pachorra há para ir a qualquer centro comercial. Eu já não sou grande adepta de confusões. E então em centros comerciais ao fim-de-semana...

O ideal é: se uma pessoa precisa de ir à Fnac porque o orçamento se quoaduna com o estado de espírito, o melhor mesmo é escolher as horas mortas durante a semana. E aproveitar depois para ir dar um passeio junto à marginal. Isso sim um digno programa de fim-de-semana relaxante. Nem que se deixe o carro não se sabe muito bem onde e depois se percorra o resto do caminho no paredão, aproveitando para respirar a brisa revolta das ondas.

Não compreendo a mania domingueira de enfiar a cabeça como a avestruz, não na terra mas em centros comerciais. É um espaço fechado. Está apinhado de gente. As pessoas acotovelam-se. Para quê sair das quatro paredes caseiras e enfiar-se noutras quatro paredes onde ainda se respira menos?

Ar fresco só mesmo o que se aproveita do vidro do carro totalmente aberto. Liga-se o rádio, escolhe-se uma playlist jazzy e aí vamos nós a conduzir não se sabe muito bem para onde. Também não interessa. O objectivo é arejar. Se não é possível conduzir porque o carro decidiu fazer birra e não pega ou porque o idiota do vizinho o trancou no estacionamento. Abre-se as janelas de casa. Deixa-se entrar o ar e respira-se. Liga-se também o dvd e escolhe-se Nosferatu como cenário. Um filme algo estranho para um domingo? Não quero saber. Nada melhor do que imaginar drácula. É sangue. É vida. Os domingos parecem ter perdido essa cor viva do vermelho.

Sunday, bloody freakin, sunday. I am count draculaaa...

Wednesday, November 15, 2006


O'Mother, Where Art Thou?


"Lembras-te desta canção?

From a little shell
At the bottom of the sea
Was the Earth and the Moon
And the Sun above me
But the world fell down
With some people still around
There is love, there is love
To be found

Não percebes a letra mas gostas da melodia. Se traduzir deixa de ter o mesmo sentido, fica perdido na tradução. O teu amor não se traduz. Se o encontrei foi no teu ventre, nos teus gestos, na tua doçura. Não posso deixar de te desiludir, bem sei. Mas sou humano e faço isso mesmo: cometo erros. Também já cometeste os teus. Mas não sei muito bem porquê os meus são sempre mais imperdoáveis. Eu tento, mas não sou perfeito. Nunca o vou ser. Não o sabes e talvez nunca o venhas a saber por que construíste uma imagem que não sou eu. Perdoas, mas não esqueces. Eu esqueço, mas amo. É apenas isso, no teu dia. É o que digo, ainda que seja através de uma canção da qual não podes compreender a letra. Não faz mal. Gostas da melodia. É suficiente. A suavidade com que toca nas colunas da aparelhagem representa o que te quero dizer.

There is love, there is love, to be found. E tu deste-me um espaço cheio dele para crescer. O'Mother, Where Art Thou? Estás aqui. É suficiente. Percebe a tua importância nesta música. Ou pelo menos na sua melodia. From a shell. Tudo amor. Tudo Tu, mãe."
V


Man is the baby

Uma música, uma estória, pequenos acordes melódicos, um acordar diferente...

"Numa palavra: cansaço. Não, não estou cansado de acordar. Nunca pensei nisso. Penso agora: nos contos infantis havia sempre alguma princesa condenada a um sono eterno. Ficava à espera de um príncipe para acordar. Histórias, apenas isso. Histórias com que a minha mãe me adormecia. Para acordar sempre acordei sozinho. Gosto dessa sensação. Sem despertador, sem telemóvel com musiquinha irritantemente dançável. Não, isso não. Estou cansado. Quero voltar a acordar sozinho.

Ou pelo menos não com ruídos mecânicos. Quero voltar a acordar com sons humanos, sons vivos. Deixei de ouvir as crianças berrar de alegria enquanto brincavam no recreio. Deixei de ouvir os seus gestos. Sim, porque eu conseguia ouvir os seus gestos. Pelo menos imaginava-os, bastava ouvi-las. Estou cansado. Não acordo simplesmente. Mas adormeço constantemente. É essa a minha variante. Adormeço e ainda não acordei. Não sei muito bem porquê. Talvez seja por não te encontrar a meu lado. Talvez seja por saudade. Talvez seja medo. Sim, é isso, medo. Medo de ter dado um passo maior que a perna. Acordei demasiado cedo? Ou não adormeceste sabendo quem eu era? Eu sabia quem eras. Ou pelo menos o que representavas no meu acordar. Eu nunca soube.

Tempo? Terá sido isso? Trepei os teus muros e sentei-me. Queria estar presente no teu acordar, para saberes quem eras no meu. Eu nunca te vi no meu. Adormeci ou deixei passar o tempo. Ou não deixei. Fiquei apenas quieto. Nunca soube. Nunca saberei. Ou esperarás tu que me encontre no meu leito final para me mostrares quem sou no teu acordar? Tinha, tenho, não sei, esperança que não fosse apenas nesse dia. Queria saber antes. Mas não posso saber tudo. A única constante na minha vida: não sei. Faz bem, ignorância alimenta a vontade de procurar. Procurei-te e procuro-te nos meus sonhos para encontrar uma resposta ao que significo no teu acordar. Encontro apenas imagens sumidas como as fotografias que tenho em bebé. Não sei. Sonho e não sei. Queria confiar em pequenos elementos mas também eles são sumidos. Não. Fugazes. Sim é esse o termo correcto. Mas confio. Confio nas pequenas coisas, talvez um dia elas me revelem o todo: o que significo no teu acordar?

Não sei. Encontro silêncio. Talvez seja essa a tua resposta. Um silêncio acumula sentidos. É isso. O que significo no teu acordar é um silêncio. Chega. É suficiente. Amanhã quando acordar em silêncio sei que és tu a dizer-me que sou importante. É mais fácil assim. As palavras são dissimuladas. Prefiro o silêncio. Fecho os olhos. Adormeço, como nas histórias infantis. Não para um sono eterno, mas para acordar em silêncio. Já não estou cansado. Agora acordo, em silêncio."
V

ACT THREE

Depois de alguns dias em banho maria, chegou a hora. Let's talk about music. A passagem para a vida adulta nunca é simples. Traz consigo mudanças de estação que nem por isso são tão leves como o cair de uma folha de Outono. Pegamos nessa folha e desejamos ter o seu peso. Para trás fica o tempo da despreocupação e a idade da inocência. Gostava de poder dizer que a inocência permanece. Mas estaria a mentir. Não permane, mas cresce. Torna-se outra coisa. A visão muda ainda que at heart se mantenha o tilintar das nossas músicas favoritas. É isso que acontece com Sofia Coppola. Do despertar de Virgens Suicidas à consciência adulta de Marie Antoinette, passando pela incerteza existencial de Lost in Translation, o tilintar está lá. Ouvimos as músicas de Coppola. Ouvimos a sua banda sonora. Ouvimos o retrato da sua passagem ao mundo adulto. Sentimos o gritar de dúvidas que se mantêm sempre, tal como as canções que nos acompanham e as letras que ficaram gravadas em nós.

Assim surge Marie Antoinette. Jovem e repleta de visceralidade musical. Gang of Four, New Order e Bow Wow Wow transportam consigo essa inocência de quem é novo e apenas quer viver. À medida que vamos conhecendo a dauphine ela ganha contornos diferentes e a música também. De um ritmo inicial acelerado a banda sonora vai diminuindo as suas batidas cardíacas. Torna-se mais lenta, mais pausada. Partituras clássicas ambientam-nos no novo mundo: adulto. A sequência das imagens também se torna mais suave e sublime. Contemplação de uma nova fase: crescer. Perdemo-nos no olhar de Sofia. Tal como nos perdemos nas dúvidas que nos acompanham desde sempre, independentemente de termos 14, 18 ou 24 ou mesmo os 35 anitos de Sofia. As canções não foram escolhidas ao calhas. Elas próprias contam uma estória. Que podia ser a minha ou a de qualquer outro. Chama-se a isso crescer. O nosso gosto musical também evolui, cresce. Pelo menos para quem continua a manter a curiosidade de viver. Neste caso de ouvir intensamente.

Fechem os olhos. Liguem a aparelhagem. Deixem Marie Antoinette sentar-se a vosso lado. Vejam a sua história, ouçam as suas canções. Escutem como nos tocam, como nos deixam as pontas dos dedos dormentes e alteram o batimento cardíaco. Deixem-se contagiar por uma narrativa melódica. Intensa? Sim. Mas só assim vale a pena. Assim se vive. Assim se ouve.
ACT TWO

Ao som dos Gang of Four é-nos apresentada Marie Antoinette. De sorriso matreiro olha directamente para nós, como se quisesse dizer: "don't judge too quickly. You don't know the half of it". E é verdade, não sabemos. Com este ínicio é também Sofia que nos pisca o olho. O que aliás faz várias vezes ao longo do filme.

Piadas subtis, sequências fotograficamente etéreas e até um par de All Star de cor azul bebé, são tudo piscadelas de olho da realizadora. Tomando partido da beleza de Versailles, Sofia pinta com cores vivas. Tal como a sua personagem. Maria Antoinette é primeiro uma menina. Depois torna-se mulher. A inocência inicial ilustrada por um bater de palmas em plena ópera parisiense é perdida precisamente nesse espaço, quando já ninguém repete o seu gesto.

No primeiro jantar da corte Marie é a única personagem que está fora do quadro. Talvez por ter cor a mais. Nem o marido Louis consegue fixar o seu olhar. Ela traz consigo a doçura de quem quer agradar. Tenta captar a atenção de um Louis tímido que treme só de olhar para ela. E cuja única paixão parece ser mesmo chaves e fechaduras. Mas Marie é paciente. Paciência de quem também não sabe muito bem qual a sua missão. Mais, de quem procura saber, experenciar, viver. É uma heroína que questiona. Dúvidas existenciais fazem parte do seu dia-a-dia em Versailles. Dúvidas de uma adolescente como tantas outras. Parte da beleza do filme é precisamente essa: mostra-nos uma Marie que podia ser muitas Marias dos dias de hoje. Mas há dúvidas que permanecem sempre e na passagem de menina a mulher, Marie continua a questionar-se.

Uma das sequências mais mágicas é esta. Marie Antoinette enconstada a uma parede, simbiose entre espaço e personagem. Um espaço de que passou a fazer parte mas que não a aceita. Ainda assim se confundem. É de uma suavidade melancólica a forma como Marie faz deslizar o seu corpo pela parede até ao chão. Permanece imóvel, perdida na sua condição de dauphine. E chora. Lágrimas que muitos de nós já vimos escorrer pelo nosso rosto. E Sofia certamente também. Ou não tivesse ela a sensibilidade para nos mostrar pormenores e nos fazer ler nas entre-linhas.

Já como rainha de França, Marie esbanja dinheiro em roupas, jogo, bebida e festas. Desejos de quem quer viver intensamente. A Marie-menina e a Marie mulher têm o mesmo fervor. Se apenas se sabe viver assim, o que se faz? Faz-se isso mesmo: vive-se intensamente. Marie é uma personagem incompreendida. Como aliás o filme foi por muitos. Talvez por lhes faltar a sensibilidade para ver além do século em que a história decorre, para sentir além de uma medida ou para viver além da conta. Até o trepidar da câmara é o trepidar de um coração que anseia e receia, mas que tudo sente intensamente. É preciso ver com a paixão com que Sofia nos mostra uma joaninha a voar da mão de Marie, sentir com a intensidade com que Sofia nos põe juntamente com a dauphine a admirar o nascer do Sol e viver com a coragem com que Sofia nos conduz ao balcão do palácio de Versailles e nos faz baixar a cabeça em ovação.

"Isto não é ridículo, é Versailles", diria uma das personagens. Eu afirmo: Isto não é ridículo, é Sofia Coppola.

ACT ONE

Olhando para o cartaz de Marie Antoinette, percebo mais facilmente essa necessidade de encontro a sós. Sim, porque na linguagem cinematográfica de Sofia Coppola, só mesmo a sós. A sós cada imagem, mesmo em modo "mute", é rica em sabores e predispõe-nos a saboreá-los. Mais que isso, a senti-los. Depois vem o lado musical. E aí Sofia conduz a sua orquestra como um verdadeiro "maestro". A escolha não é aleatória. Marie Antoinette é Sofia e Sofia é Marie Antoinette. Assim também as canções acompanham essa duplicidade, de uma menina-mulher.

Muitos críticos voltaram a decapitar a corte de Versailles apenas pela ilustração Pop de um espaço poeticamente barroco. E desde quando a linhagem real esteve desprovida de Pop? A questão passa pela actualidade. Actualidade: sermos humanos. Ou julgamos nós que por fazerem parte da corte, os personagens de Marie Antoinette são menos humanos e estão mais próximos de um qualquer deus? Nada de "pigeonholing" que não só nos fica mal como não tem lugar cativo no que podemos chamar de "humano". É disso que se trata: sangue, vida.

Nas palavras de Marie Antoinette: "Isto é ridículo". Pois que assim seja. Se é ridículo encaixar New Order ou Siouxie&The Banshees numa época barroca ou ver uma Marie adolescente de carne e não uma dondoca sem sal, então que seja. Aliás, sejamos todos ridículos.

Não é nada triste, é gosto por cinema


Há quem diga que é "triste" ir ao cinema sozinho. Pois eu não. Ou não fosse adepta desse encontro a sós com a poesia cinematográfica. É disso mesmo que se trata: de um encontro. Encontro com a música, com a imagem e com a dança que uma e outra criam em conjunto. Nas palavras de Michael Nyman: "É preciso saber transmitir ensejos, visões e, depois, traduzi-los numa linguagem musical". Se fizesse um filme sobre a minha vida, antes da imagem estaria a música. Pequenas partituras de alguns minutos que constróiem elas próprias uma estória que seria bem mais interessante do que uma dita história da minha vida. É fechar os olhos e ouvir. É fechar os olhos e não conseguir dissociar aquela música de imagens, ainda que nunca as tenha visto. Sessão da meia-noite? E porque não? Numa sala praticamente vazia o único espaço partilhado é a distância que fica entre mim e a tela. Em apenas algumas horas, encontro a magia que tem a linguagem cinematográfica num visionamento nocturno. Há noite o espaço amplia-se. Os sons intensificam-se. E eu cresço. Não é triste, é amar cinema e querer escutar a sua poesia.