Wednesday, November 21, 2007

Fire walk with me...


“Imaginem que alguém está noutra sala, com um puzzle completo. Essa pessoa atira-me uma peça do puzzle e eu apanho-a. Não vejo a pessoa, não vejo o puzzle, apenas recebo uma peça. E apaixono-me pela peça. A essa peça corresponde uma ideia que eu escrevo no papel: pode ser uma cena inteira, pode ser uma atmosfera, pode ser um estado de espírito, pode ser qualquer coisa. Mas está na minha cabeça: eu vejo-a, eu oiço-a, eu sinto-a. Se a escrevo é porque mais tarde, ao ler essas palavras, a ideia regressa tal e qual como surgiu. A seguir, vem outra peça. E mais outra. E mais outra. E mais outra. Até que a dado momento há cada vez mais partes do puzzle que já foram reveladas e eu posso dizer: ‘Oh, afinal era isto, eu bem que me perguntava o que podia ser e afinal era isto!’ Aos poucos, a forma surge por si mesma. E então o argumento fica completo.”

É este o processo criativo de David Lynch descrito pelo proprio. Acima de tudo ideias. Peças de um puzzle que ele sente e é, por isso, inexplicável.

Muitos foram os que tentaram "descortinar" significados dos seus filmes na MasterClass que Lynch deu no passado sábado no Estoril, mas em vão. Não só porque os seus filmes não são tratados da metafísica dos costumes, mas também porque o realizador não estava mesmo nada para aí virado. A sua metafísica era outra. Chamava-se Meditação Transcendental. Para os mais preconceituosos pode parecer que Lynch vendeu a "alma ao diabo", personificado numa qualquer seita que veincula o culto da personalidade meditando. Mas não. O processo de que fala não é para de um momento para o outro todos ficarmos Zen e buga lá ao "peace and love" outra vez. Nada disso. A base é a auto-descoberta. Afinal já era uma das grandes premissas gregas: Nosce te ipsum...

Através desse processo vamos igualmente estabelecendo pontes de comunicação e como o próprio referiu: "the anger I had just started lifting up, puff." Parece new age bulshit mas não, há mesmo estudos comprovativos e comprovados. Cada um escolhe fazer o caminho à sua maneira. E se é ou não através da meditação transcendental, isso já é outra conversa. Até porque "meditar" não vive só de fechar os olhos e respirar fundo... A verdade é que, ao fim de mais de 30 anos de meditação, Lynch sente-se mais aberto a esse mundo que desde muito cedo o classificou: as ideias fluindo.

Ouvi-lo e ve-lo fazer tilintar os dedos no ar enquanto falava, como se tocasse uma qualquer peça de Chopin, foi absolutamente gratificante. Afinal não é todos os dias que se tem a oportunidade de conhecer alguém como ele. E muito menos se for o nosso realizador de eleição. Não estava interessada em fazer perguntas sobre os filmes e muito menos sobre significados, como por exemplo, andarem coelhinhos ali pelo meio de INLAND EMPIRE... Queria ouvir. Estar atenta a cada palavra do seu crescimento enquanto artista e enquanto pessoa. Deixar-me levar pela sua voz, percorrendo cada corredor da sua criatividade.

De um momento para o outro, voltei a ter febre. Um fogo intenso alastrava sob a minha pele. Os sentidos estavam todos alinhados e alerta, imagens surgiam-me, pequenas frases, sons, vozes ecoavam bem próximo. Não, não descobri que sou esquizofrénica. Pelo menos não clinicamente testada. Como se de uma visão em tunel se tratasse, ali estava eu e o mundo inimaginável de Lynch, David Lynch. Afinal era possível.

Sem diálogos mas apenas sensações. E só. Para quê palavras quando um único momento contém em si mil e uma formas de sentir... Olhei-o surrateiramente, não queria perturbar o seu espaço. De figura imponente mas de olhar timido, tal e qual uma criança envergonhada a quem acabam de dar um doce, lá estava ele. No meio de um descampado, com a bandeira da Invincible Portugal University... Um lugar a pensar no amanhã, numa educação apoiada na auto-consciência. E mais do que isso, estavamos todos em união, nesse mundo lynchiano... momento raro em que não se atropelou ninguém... nem mesmo para conseguir uma foto. Ao som do hino nacional em toque de violino, a bandeira lá ficou. E parte de mim viajou...

Um quarto com coelhos. Um telefone que toca incessantemente e uma voz que repete: fire walk with me...
And I do...

Thursday, November 15, 2007

Behind the curtain...






Posso estar a cometer a maior gaffe socio-cultural de todos os tempos mas acho que já não é novidade para ninguém que David Lynch é um realizador de culto. Ou melhor, que os seus filmes se tornaram alvo de culto. E são muitos os que seguem avidamente a sua obra. Falo de obra porque Lynch não se limita ao cinema, ele expande-se. E cobre áreas como a pintura, a fotografia, a instalação, a performance ou genericamente falando as "artes plásticas". Independentemente dos materiais, as ideias fluem, vão tomando forma e conduzem-no a algum lado. É assim que trabalha a sua mente.

Por ocasião do European Film Festival, o "rapaz" nascido em Montana nos EUA, vai estar em Portugal. Já estou a imaginar um corredor bastante estreito, numa fábrica industrial e uma multidão seguindo um vulto que parece estar e não está. É melhor não me dispersar. Que me desculpem os mais susceptíveis mas esta será provavelmente, a par de Pedro Almodovar, a melhor surpresa da primeira edição deste festival. E uma pequena batalha ganha por Paulo Branco. Só pelo feito, alguém por favor tenha a boa vontade de o premiar com a medalha da cultura, se é que isso existe tendo em conta que o orçamento do Estado para a dita é de 0,4 %. Cá para mim a décima que impediu de chegar aos 0,5 foi para custos adicionais. Agora do quê é que se me escapa completamente.

Se não fosse o facto do aparelho ter avariado já quase no final da projecção tinha saído qual Laura Dern, da sala do Casino do Estoril, de sorriso bem rasgado. O motivo: L Y N C H.
O documentário realizado por black and white, é estranho mas o senhor chama-se mesmo assim, consegue dar-nos uma visão interior do autor e do seu processo criativo. Foge ao esquema de pergunta e resposta e usa a câmara apenas como olho observador. O resto falo por si. Com uma canon EOS-1 reuniu quase três mil fotografias de interiores de fábricas na Polónia. As linhas que compõem cada uma delas, para além de realçarem o já interessante aspecto original, mostram-nos a sua capacidade infindável para reter pequenos detalhes. Pelo meio grava o ruído de uma grafonola, a agulha deslizando asperamente sobre o disco, serra um búfalo de madeira ao meio e coloca-o numa tela, zanga-se ao telefone, tinge um blazer de verde fluorescente e fuma.

A montagem deste documentário respeita e homenageia Lynch. Por muitas descrições que pudesse fazer nenhuma lhe faria justiça. As sensações bastam e no final, ou quase porque o equipamento decidiu fazer birra ou se calhar engripou-se com as temperaturas pouco convidativas, entranha-se na pele. Não admira, Lynch é intuitivo.

Intuitivamente: é um quadro em movimento, repleto de ideias, espaços, sons, imagens... Todos fluem.

P.S: resta esperar que os direitos do filme sejam comprados para ter estreia comercial. Ou então aguardar por Abril quando sai em dvd nos EUA.

Thursday, November 08, 2007


I was angry with my friend:
I told my wrath, my wrath did end.
I was angry with my foe:
I told it not, my wrath did grow.

And I watered it in fears
Night and morning with my tears,
And I sunned it with smiles
And with soft deceitful wiles.

And it grew both day and night,
Till it bore an apple bright,
And my foe beheld it shine,
And he knew that it was mine, -

And into my garden stole
When the night had veiled the pole;
In the morning, glad, I see
My foe outstretched beneath the tree.
in William Blake's Songs of Experience