Wednesday, November 15, 2006

ACT TWO

Ao som dos Gang of Four é-nos apresentada Marie Antoinette. De sorriso matreiro olha directamente para nós, como se quisesse dizer: "don't judge too quickly. You don't know the half of it". E é verdade, não sabemos. Com este ínicio é também Sofia que nos pisca o olho. O que aliás faz várias vezes ao longo do filme.

Piadas subtis, sequências fotograficamente etéreas e até um par de All Star de cor azul bebé, são tudo piscadelas de olho da realizadora. Tomando partido da beleza de Versailles, Sofia pinta com cores vivas. Tal como a sua personagem. Maria Antoinette é primeiro uma menina. Depois torna-se mulher. A inocência inicial ilustrada por um bater de palmas em plena ópera parisiense é perdida precisamente nesse espaço, quando já ninguém repete o seu gesto.

No primeiro jantar da corte Marie é a única personagem que está fora do quadro. Talvez por ter cor a mais. Nem o marido Louis consegue fixar o seu olhar. Ela traz consigo a doçura de quem quer agradar. Tenta captar a atenção de um Louis tímido que treme só de olhar para ela. E cuja única paixão parece ser mesmo chaves e fechaduras. Mas Marie é paciente. Paciência de quem também não sabe muito bem qual a sua missão. Mais, de quem procura saber, experenciar, viver. É uma heroína que questiona. Dúvidas existenciais fazem parte do seu dia-a-dia em Versailles. Dúvidas de uma adolescente como tantas outras. Parte da beleza do filme é precisamente essa: mostra-nos uma Marie que podia ser muitas Marias dos dias de hoje. Mas há dúvidas que permanecem sempre e na passagem de menina a mulher, Marie continua a questionar-se.

Uma das sequências mais mágicas é esta. Marie Antoinette enconstada a uma parede, simbiose entre espaço e personagem. Um espaço de que passou a fazer parte mas que não a aceita. Ainda assim se confundem. É de uma suavidade melancólica a forma como Marie faz deslizar o seu corpo pela parede até ao chão. Permanece imóvel, perdida na sua condição de dauphine. E chora. Lágrimas que muitos de nós já vimos escorrer pelo nosso rosto. E Sofia certamente também. Ou não tivesse ela a sensibilidade para nos mostrar pormenores e nos fazer ler nas entre-linhas.

Já como rainha de França, Marie esbanja dinheiro em roupas, jogo, bebida e festas. Desejos de quem quer viver intensamente. A Marie-menina e a Marie mulher têm o mesmo fervor. Se apenas se sabe viver assim, o que se faz? Faz-se isso mesmo: vive-se intensamente. Marie é uma personagem incompreendida. Como aliás o filme foi por muitos. Talvez por lhes faltar a sensibilidade para ver além do século em que a história decorre, para sentir além de uma medida ou para viver além da conta. Até o trepidar da câmara é o trepidar de um coração que anseia e receia, mas que tudo sente intensamente. É preciso ver com a paixão com que Sofia nos mostra uma joaninha a voar da mão de Marie, sentir com a intensidade com que Sofia nos põe juntamente com a dauphine a admirar o nascer do Sol e viver com a coragem com que Sofia nos conduz ao balcão do palácio de Versailles e nos faz baixar a cabeça em ovação.

"Isto não é ridículo, é Versailles", diria uma das personagens. Eu afirmo: Isto não é ridículo, é Sofia Coppola.

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