Wednesday, November 15, 2006



Man is the baby

Uma música, uma estória, pequenos acordes melódicos, um acordar diferente...

"Numa palavra: cansaço. Não, não estou cansado de acordar. Nunca pensei nisso. Penso agora: nos contos infantis havia sempre alguma princesa condenada a um sono eterno. Ficava à espera de um príncipe para acordar. Histórias, apenas isso. Histórias com que a minha mãe me adormecia. Para acordar sempre acordei sozinho. Gosto dessa sensação. Sem despertador, sem telemóvel com musiquinha irritantemente dançável. Não, isso não. Estou cansado. Quero voltar a acordar sozinho.

Ou pelo menos não com ruídos mecânicos. Quero voltar a acordar com sons humanos, sons vivos. Deixei de ouvir as crianças berrar de alegria enquanto brincavam no recreio. Deixei de ouvir os seus gestos. Sim, porque eu conseguia ouvir os seus gestos. Pelo menos imaginava-os, bastava ouvi-las. Estou cansado. Não acordo simplesmente. Mas adormeço constantemente. É essa a minha variante. Adormeço e ainda não acordei. Não sei muito bem porquê. Talvez seja por não te encontrar a meu lado. Talvez seja por saudade. Talvez seja medo. Sim, é isso, medo. Medo de ter dado um passo maior que a perna. Acordei demasiado cedo? Ou não adormeceste sabendo quem eu era? Eu sabia quem eras. Ou pelo menos o que representavas no meu acordar. Eu nunca soube.

Tempo? Terá sido isso? Trepei os teus muros e sentei-me. Queria estar presente no teu acordar, para saberes quem eras no meu. Eu nunca te vi no meu. Adormeci ou deixei passar o tempo. Ou não deixei. Fiquei apenas quieto. Nunca soube. Nunca saberei. Ou esperarás tu que me encontre no meu leito final para me mostrares quem sou no teu acordar? Tinha, tenho, não sei, esperança que não fosse apenas nesse dia. Queria saber antes. Mas não posso saber tudo. A única constante na minha vida: não sei. Faz bem, ignorância alimenta a vontade de procurar. Procurei-te e procuro-te nos meus sonhos para encontrar uma resposta ao que significo no teu acordar. Encontro apenas imagens sumidas como as fotografias que tenho em bebé. Não sei. Sonho e não sei. Queria confiar em pequenos elementos mas também eles são sumidos. Não. Fugazes. Sim é esse o termo correcto. Mas confio. Confio nas pequenas coisas, talvez um dia elas me revelem o todo: o que significo no teu acordar?

Não sei. Encontro silêncio. Talvez seja essa a tua resposta. Um silêncio acumula sentidos. É isso. O que significo no teu acordar é um silêncio. Chega. É suficiente. Amanhã quando acordar em silêncio sei que és tu a dizer-me que sou importante. É mais fácil assim. As palavras são dissimuladas. Prefiro o silêncio. Fecho os olhos. Adormeço, como nas histórias infantis. Não para um sono eterno, mas para acordar em silêncio. Já não estou cansado. Agora acordo, em silêncio."
V

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