Monday, April 02, 2007


"What I'm trying to describe is that it's impossible to get out of your skin into somebody else's.... That somebody else's tragedy is not the same as your own."

Muitas poderão ser as palavras de conforto ditas, meras tentativas de aproximação a uma outra realidade que não a nossa. Podemos tentar descrever um nascer ou um pôr-do-sol a um cego, mas as cores que nós "vemos" e que por ele vão ser "sentidas" pertencem a realidades diferentes, a percepções diferentes. Diane Arbus cresceu entre esses dois mundos, não pertencendo na realidade a nenhum. Enquanto fotógrafa queria alargar a visão, como que um misto de um e outro mundo. Talvez por isso a certa altura tenha abandonado o formato de 35mm e tenha elegido uma Rolleiflex, de médio formato, como instrumento de metamorfose. Uma máquina fotográfica de lente dupla, para captar o estranho na "normalidade" e a "normalidade" no bizarro. Ou talvez tenha apenas querido provar através de cada imagem que não existe "normalidade". E muito menos caixas com linhas geométricas bem definidas onde tudo tem um encaixe. Com a ajuda das duas lentes, a visão de Diane alargavasse aos dois mundos, ambos bizarros, ambos estranhos, ambos complexos, como aliás o é qualquer ser humano. A estupidez de querer extrair simplicidade de uma matéria complexa é que dá origem a rótulos, a designações, a erros...

O erro de, à força, classificar um Eu como quem classifica um cavalo numa corrida. Se quisermos tornar as coisas estupidamente simples então não passamos todos de meros cavalos numa corrida, animais desorientados que apenas sabem que a corrida teve início porque as cancelas se abrem e se ouve um som que, diz-se na giria, serve para "arrancar"...

Arrancar, arrancam-se pedaços todos os dias...Pedaços que Arbus queria captar, um a um, pedaços que os olhares dispersos deitavam no lixo e que Diane pegava gentilmente em formato de fotografia e lhes dava a vida que mereciam...O uso do flash ainda com luz do dia permitia-lhe dar o destaque ao sujeito fotografado, talvez querendo para além disso, trazer luz à escuridão projectada pelos olhares trauseuntes, carrascos de almas únicas...Como Diane...

No filme de Steven Shainberg entramos num retrato imaginário de Diane Arbus, a fotógrafa de "freaks", como ficou conhecida na cultura norte-americana. Mais um erro cometido... Mais um encaixe... Até mesmo as críticas ao filme tiveram de encaixar a história ora no "ok, trata-se de um relato ficcional da vida de Arbus", ora no "a narrativa manteve-se à superfície de uma biografia bastante profunda" ou ainda "o realizador perde-se na fantasia e esquece a realidade"...

A todas essas balelas, sim para mim não passam de balelas, digo apenas "vão vender xuxas para a porta da maternidade...". Sim ao menos as criancinhas precisam. Deste tipo de criticas teórico-neo-qualquer- coisa, que nem os próprios criticos sabem definir, ninguém precisa. Para mim um filme não carece de análise. Basta sentir. Qualidade que parece ter desaparecido, dando lugar ao escrutinio, ao escárnio... Ou direi antes "descarnio"...?

O filme, intitulado Fur, apesar de acrescentar: an imaginary portrait of Diane Arbus, não podia ser mais real, mais cheio de corpo, mais repleto de voz, de suor, de vida... Porque Fur, em inglês tanto pode ser pêlo como pele, dependendo da perspectiva...Ou da objectiva. De for unilateral apenas vemos pêlo, como seres humanos erráticos e de palas nos olhos, de forma bilateral vemos também pele, como seres humanos e animais de sentidos e de sentir. Uma das cenas mais marcantes é o abrir sôfrego do vestido à varanda, com uma Nicole Kidman como Arbus , a bradar aos ventos: "quero retirar este espartilho que não me deixa respirar"...E outra o toque de pele com pele entre Kidman e Downey Jr. A descoberta da pele do outro, mais do que uma cena de cariz erótico-sexual, é uma cena de toque. A intimidade de sentir a pele do outro, o seu cheiro, a sua textura...Nessa troca de sensações, dois corpos abraçados transmitem mais intensidade do que qualquer outra imagem mais sensualizada...

Não vou descrever cena a cena, mandar postas de pescada sobre o ângulo x, a narrativa ordenada, o raio que o parta, nada disso me interessa e não me pagam para tecer criticas...

Resta-me o que sinto...

E pegando novamente no inicio deste discorrer de palavras: ninguém pode substituir-se ao outro no sentido de sentir o que lhe vai na alma... E é nesse contexto que são injustos e despropositados quaisquer tentativas de encaixe... Há inúmeros titulos, a começar pelo Dr. e a acabar no Cunha, passando pelo hetero, o homo, o bi, e sei lá mais o quê. Tudo termos médicos claro. E quando não se sabe muito bem é pan, tudo é pan. Deve ser para fazer pendant com as barbaridades que saiem boca fora... ou não fosse este um país que recentemente elegeu Salazar como o maior português de todos os tempos...

Onde estás tu Diane que agora tiravas um retrato fantástico desta gente...stupda

Arbus sentia a diferença e para ela não havia nada de mais belo... Aos olhos dos outros, mesmo dos mais próximos, não era visto assim... E ela própria acabou por se tornar uma freak... Porque não era como a maioria, porque sentia de forma diferente, porque via o mundo no paralelo, porque conseguia ver cor no "meio", porque vivia... autêntica...

Nos últimos anos da sua vida dedicou-se aos doentes mentais... Talvez sabendo que no meio da "loucura" encontraria a paz que o mundo lá fora, dito "normal" lhe retirava...

Esse mundo, de que somos obrigados a comparticipar, suga-nos o ar...Confina-nos a espaços fechados, a testar a nossa resistência à claustrofobia... Diane rasgou o vestido no filme, na vida real cortou os pulsos... A beleza da sua visão era demasiada para este mundo unilateral. Encontrou à margem, nesse acto, a sua voz, por fim Dee-aann, como insistia que o seu nome se pronunciava... Um The End... antecipado... Um retrato, uma última foto... Nunca ninguém poderá saber a dor que lhe corria nas veias... A dor insuportável de saber o que se passa na pele, Fur...

7 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Diane Arbus passou a vida a querer abrir portas. Portas entre mundos que ela sabia serem apenas uma continuação orgânica uns dos outros pq há um fio invisível q os liga. Claustrófobica, Diane precisava de ar para respirar. Não era fobia de espaços fechados mas sim de pessoas fechadas em espaços, em caixas herméticamente seladas como se o mundo tivesse sido parido assim, de forma controlada e ordeira, e n fosse fruto de uma explosão de caos e de estrelas, de sangue e beleza. Fotografava aberrações de circo e doentes mentais, sempre a olhar directamente para a objectiva, para que vissemos nos seus olhos o reflexo da aberração e do louco q existe em nós.Não sentir o que eles sentem, mas perceber que as emoções são um património comum e mm n sendo iguais, são elas q nos ligam uns aos outros.Um fio invisível.Antes do toque da pele são o q nos atrai e durante são elas que passam pelos poros. A fotografia q tens no post anterior, tb da Diane Arbus, reflecte para mim o mais tocante do seu trabalho : uma criança apanhada num instante, que tanto pode ser o meio de um choro ou o início de uma gargalhada.O tal mundo intermédio, nem normal nem bizarro, um misto dos dois, pq um só n existe. Como o Yin e o Yang. Apenas existindo e sentindo, o fio da navalha, a corda de circo em q nos equilibramos diariamente.Quem é que nunca sentiu que o choro pode dar facilmente lugar à gargalhada e vice-versa?

03 April, 2007 04:11  
Blogger Miss Vesper said...

tenho uma foto semelhante à do post anterior... pela expressão do olhar pode ser o final de um momento de choro, o inicio de uma gargalhada, o intermédio entre ambos... uma birra talvez, um grito de respiro... a facilidade com que se passa de uma emoção a outra, para quem sente o calor da luz do sol a queimar a pele...
antes de qualquer coisa, as sensações, emoções estão presentes na luz, na cor, na voz, nos sentidos, na envolvência de ser e estar, não interesse onde, como ou quando...é intemporal essa linha transparente, é intemporal a linha para além de caixas fechadas...
a sensação de aberração quando entranhada deixa de ser estranha e passa a fazer parte do eu...talvez em Diane ou dee-aann fosse isso mesmo, entranhado...através do seu olhar, procurava talvez mostrar o quanto transparece em cada foto uma sensação tão interior... tão incrivelmente avassaladora e em agonia...
agonia insuportavel de estranheza, de fronteira ou boderline, morte anunciada, talvez... vida , beleza nas imagens de quem soube amar assim...os sujeitos retratados... dee-ann, a fotografa do autêntico, das máscaras caidas... anjo de uma fotografia fiel à emoção...

03 April, 2007 07:41  
Anonymous Anonymous said...

A fotografia é sempre um outro olhar sobre o real, talvez ainda mais verdadeiro do que aquele q o olho nu consegue alcançar. Ao mm tempo q é "falso" pq a objectiva é um elemento estranho, é tb mais autêntico, como se a câmara servisse de filtro da verdade e a realçasse do q a rodeia. Como Diane realçava o sujeito do fundo c o uso do flash. Em algumas culturas há a crença de q uma fotografia pode roubar a alma. Talvez n seja assim tão absurdo, n roubar mas sim revelar, desnudar. E talvez isso assustasse tanto essas culturas pq tornava público aquilo q é do eu, privado e intransmissivel. O medo de nos vermos sem roupa em frente a todos, mm q seja uma roupa mental. E depois há quem o tema e o deseje, como Diane na varanda qd abre o vestido para respirar, para ser vista. A roupa do corpo, um veiculo para a roupa da alma.

03 April, 2007 16:38  
Blogger Miss Vesper said...

Poderia ser temor de Diane, mas Dee-ann apenas queria saltar a janela, romper a roupa que era obrigada a usar... em alusão ao filme, romper com as peles que eram o material de trabalho da sua família... com tanto recurso às peles, ignoraram por completo a existência de uma outra, a de Dee-ann... a oposição não era entre temor e desejo, talvez fosse mais entre desejo e agonia... agonia de viver em clausura, de não poder deixar a sua pele respirar... e nesse curto espaço a solidão de viver através de outros sujeitos, os retratados, uma solidão acompanhada por rostos ou melhor emoções semelhantes... no final resume-se tudo a isso: a solidão de um rosto fotográfico... ou revelado na pelicula...

03 April, 2007 16:59  
Anonymous Anonymous said...

Para mim é um erro pensarmos q por sermos complexos não podemos ser entendidos. Eu acho que somos seres complexos regidos por principios simples. No fundo somos todos muito parecidos. Eu, tu a Diane...

04 April, 2007 09:18  
Blogger Miss Vesper said...

nao se trata de complexidade ou de simplicidade, a questão em Dee-ann era outra... a do mundo estar feito para "caixas" e não para linhas amplas, curvas, destorcidas.... ou seja está feito para convenções e não para espaços...

04 April, 2007 18:57  
Anonymous Anonymous said...

ahhh... assim já concordo ctg... ufa! :) Mais, eu acho que o mundo está feito para sobreviver, o q é mt básico... As pessoas q mudam, de facto, o mundo têm que ter um louco dentro delas.

05 April, 2007 06:07  

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