Monday, June 01, 2009

ser ou não ser: intensidade...

"Começava as manhã como uma música sem refrão. Mas o mais importante eram os silêncios de palavras, aqueles em que nada se diz, mas tudo se compreende e se realiza. Recordava os contos de Grimm e as fábulas de encantar mas apenas para as desconstruir, lhes dar uma nova forma. (In)felizmente quando era criança a sua imaginação era demasiado fertil e depressa começou a criar estórias, muito semelhantes aos contos que ouvia. Depressa cresceu a idealizar pessoas e mais depressa ainda começou a exigir demasiado. De si e dos outros.

Com o tempo, desencanto após desencanto foi criando outras estórias, reais. Porque ideais existem, mas o ideal é algo de inconcreto e inatingível. Diariamente se degladiava com a sua forma de sentir as coisas, tão forte, tão viva, tão visceralmente diferente dos demais. Já tentara anestesiar essa intensidade com que dava atenção aos pormenores. Essa intensidade que depositava em cada berro, cada abraço, cada beijo, mas em vão. Também era verdade que as barreiras a que se colocara acabariam por fazer a selecção natural.. Só os mais resistentes, os mais persistentes conseguiriam sentir essa intensidade. E mesmo assim, é dificil compreender algo tão indefenível como "intensidade".

Queria poder deixar de sentir, assim, porque na imperfeição dessa forma de sentir, sente todos as arestas, todas as rugosidades, todos os defeitos, seus.
A capacidade que tanto lhe permitira criar estórias, trazia-lhe as garras afiadas da sua profundidade. E tudo se cravava fundo.

Queria acordar um dia e ouvir novamente o refrão, para lhe refazer as palavras que desapareciam na sua incapacidade de as exprimir. Queria sentir essa intensidade, em vez de a dar.

Procurava nas imperfeições uma forma de conseguir explicar-se.

Procurava-se.

Numa nota músical, sem refrão.

Em silêncio.

Não queria ser coerente, não o era de forma alguma. Queria apenas um pouco daquela intensidade à flor da pele, senti-la na sua, sem projectar noutros. Sentir, sem ser sentida..."



Vesper E

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