Saturday, February 03, 2007


In the bedroom está para Vidas Privadas como Little Children está para Pecados Íntimos, ou seja, uma falha na tradução. No primeiro caso a narrativa nada tem a ver com privacidade. No segundo não existe pecado. O único "pecado" subjacente ao título português é o de imediatamente identificarmos essa palavra com a infidelidade que trespassa a vida de Sarah (Kate Winslet) e Brad (Patrick Wilson). Mas é muito mais do que isso.

Todd Field é perito em mostrar-nos a intimidade. Com uma consciência narrativa da banalidade do dia-a-dia, de pequenas comunidades americanas, impressionante. Em Little Children (era bom que tivessemos decidido manter o título original) apercebemo-nos que de facto todos os personagens são crianças. Não no sentido infantil, mas no sentido de "começar de novo", de cometer erros e seguir em frente. Talvez "pecando" por uma perda dessa ingenuidade característica dos mais pequenos.

A história daquela pequena comunidade dos arredores de Boston é uma história de solidões colectivas, de como a intimidade transparece para o exterior da mesma forma que o sofrimento não consegue ser retirado do rosto daqueles personagens. É impossível não reparar na dor melancólica do olhar de Kate Winslet.

Mais do que a dor espelhada nos rostos, vem à superfície a ausência de comunicação. Não se diz, não se vê e sente-se por intervalos. Talvez o grande pecado de que o título português fala seja precisamente esse: a perda dessa capacidade que as crianças têm de "dizer".

No intervalo do não dito, apercebemo-nos que os erros fazem parte do crescimento. Mas ao invés de nos deixarmos superar por eles, é olhar para eles e com eles seguir em frente. Não podemos alterar o que já está feito, mas podemos pegar aí, arrumar na mala e continuar a viajar.

Um filme repleto de intensidade, uma narrativa de ausências, numa palavra: a Vida.

5 Comments:

Blogger The White Scratcher said...

Concreta e objectiva. Obrigado

04 February, 2007 06:55  
Blogger Miss Vesper said...

De nada, um filme não deve ser contado, deve ser visto e para levar a ver talvez a melhor forma de o fazer seja mesmo ser objectivo. Para a subjectividade vive o olhar quando realmente vê a narrativa ;)

05 February, 2007 06:13  
Blogger The White Scratcher said...

Até,, a capacidade da alma de ouvir, ... o pensar, sozinho,..... a mente, livre de agir,,,, os olhos podem ver o que não é suposto,,...,,... e viver cada coisa de forma própria... graças,,porque pensamos....sentimos.....graças... aí sim,,, a narrativa vive...

05 February, 2007 16:06  
Blogger Miss Vesper said...

a narrativa vive na forma de se contar a si propria e para além de si propria. uma narrativa continua pequenas outras estórias para além da sua inicial, no coração daqueles que se deixaram tocar, em silêncio. pois é no silêncio, no intervalo de duas linhas, que se pode escutar o não dito. E nesse não dito, o sentir a perda, como a areia que nos foge por entre os dedos. Talvez seja mesmo assim, a narrativa fugidia... E mesmos os sentimentos entranhados que escapam..pk nao podemos mostrar..seria pesar..seria sofrer..e por mts defesas..it still hurts...

05 February, 2007 17:41  
Blogger Deeper said...

O objectivo foi alcançado: não contar tudo para que o leitor fosse ver o filme ao cinema. Achei que estava muito preso ao livro e à narração. O filme é muito exagerado e não posso dizer que tenha gostado muito. Depois dos últimos filmes, não propriamente animados ou leves, acho que tenho mesmo que ir ver uma comédia.
E já agora aproveito para deixar os parabéns à distinta autora do blog, amiga muito querida, complicadinha que só ela, mas também isso faz parte do seu encanto. Beijinhos grandes e um dia muito, muito feliz!

10 February, 2007 13:38  

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