sem rosto...
"naquele dia descobrira que já nada restava... a armadura que fizera parte do seu rosto e das suas vestes diárias tinha simplesmente sumido. o relogio tocou. não sentia em si grande vontade de abandonar o conforto dos lençóis, talvez o único local onde se sentia realmente segura. mas fez um esforço. correu para a janela, como fazia habitualmente. antes de qualquer outra coisa tinha de correr as cortinas. talvez um gesto de compensação. deixar entrar a luz do dia. uma luminosidade que lhe faltava. foi para a cozinha. arrastava o corpo como prolongamento do seu robe já velho e gasto. descalça, sempre descalça, bateu com o pé na quina do móvel... o dia começara igual a tantos outros. uma dor agoniante mas suportável. ao contrário da que lhe invadira a alma.
pegou num livro. retomara o prazer da leitura. procurava nas palavras uma outra existência, talvez com mais sentido. momentos de distracção em que as palavras lhe enchiam o peito. de resto ausente. na voz de um narrador e de outros tantos personagens tentava ignorar que perdera a sua.
um passo. um dia de cada vez. não sabia viver de outro modo. perdera a força. o cansaço entranhara-se nas veias e o corpo movia-se como tal. de rosto caido e cabelo a esconder qualquer expressão. não se reconhecia em frente ao espelho. tudo o que restava de si era apenas o luto.
ouvia as risadas que dera naquela casa. o seu risinho fácil de criança.
a perda instalava-se no seu coração.
sentou-se no escritório. pegou na caneta e tentou rabiscar...
ao sabor intermitente de cada novo dia, talvez conseguisse deixar de sentir o vazio. uma armadura que se foi, e com ela tudo o que supostamente protegia. como um báu de recordações perdido no meio de um incêndio....
mesmo vestindo-se com cores garridas, o preto era a sua cor interior. sem voz, perdida, desalojada... a casa era habitada pelo eco dos passos silênciosos e pelo soturno bater das folhas caidas... não lhe restava nada... era como se tivesse sido invadida pela força do alto mar e tudo tivesse sido arrastado...
já não reconhecia o seu rosto...
de tanto dar, ficou apenas o vazio...
não sabia quem era... memória vaga de um alguém... foto perdida no fundo do baú...consumido pelas chamas...
sentou-se no sofá e adormeceu..."
Vesper E
3 Comments:
Só espero que o descanso tenha sido reparador, tenha havido sonhos em vez de pesadelos e que o acordar seja suave...
Beijoquitas.
Quem não procura o seu lugar, neste infindável lugar. Um lugar seu, onde caibam todos os seus sonhos, risos, alegrias, viveres, amizades e amores...
Dar em troca de nada, parece-me demasiado altruísta, quem não gosta de receber de volta, nem que seja um simples sorriso, um olhar mais alegra...
O repouso, por vezes lava a alma, como que se renascesse de novo...
Beijinhos.
Cris, minha boa amiga
volto aqui só para te informar, que, infelizmente, perdi o meu blog: tudo o que lá estava foi apagado, estùpidamente, por um erro ao qual, me sinto alheio. Fiquei triste, claro, por todo o muito que de mim, ali estava, mas não fiquei parado; assim , aí estáum novo blog, com o mesmo nome, quase a mesma configuração e decerto com o mesmo teor.
se quiseres, podes substitir o link que tinhas pelo novo que obtens clicando no pinguim do comentário.
Beijoquitas.
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