Monday, August 18, 2008

mentiras...pequenas

"todos os dias uma mentira.
escutava-as sorrateiras, junto aos seus ouvidos.
conseguia lê-las nos lábios de todos os que lhe diziam bom dia.
chegava mesmo a sentir o calor da mentira que lhe afagava as costas.

todos os dias ensurdecia. mais...
as vozes tornavam-se insuportáveis. palavras mortas de verdade.
lábios cosidos em pequenas mentiras disfarçadas de acto de contrição.
sons austeros de honestidade deslavada nas profundezas. mais...

acreditar em mentiras feitas de verdade ou verdade feita de mentiras?
terá o tempo retirado a franqueza dos banquetes e substituído por javalis com laranjas presas em seus dentes selvagens?
seremos todos cordeiros a sacrificar?

a mentira a si própria se justifica na boca de quem profere suas palavras...
argumenta contra o advogado do Diabo
cresce sumarenta
ávida de sangue
não importa qual
desde que escorra, vermelho escarlate.mais...

pequenas fábulas que se alteraram nas vozes que as contaram
pequenos contos perdidos
todos os dias a evolução prossegue, mentindo...

será a mentira uma arma? mais poderosa ainda que a esferográfica?
ao ritmo que os ouvidos entopem...
...em breve o mundo será dos surdos.

ignorance is bliss..."


Brainworm

Monday, August 04, 2008

o quadro

"Ultimamente não se conseguia olhar ao espelho.
Não reconhecia os "pés de galinha" que lhe limitavam o rosto,
não reconhecia os papos ao acordar,
acima de tudo
não reconhecia as linhas profundamente negras abaixo dos olhos...

quem és tu? perguntava-se...

os dias corriam ininterruptos
os telefones tocam ininterruptos
as vozes falavam ininterruptas
os sons propagam-se, descontinuos...

abre a torneira da água, fria
fá-la escorrer pelas faces,
sente a rugosidade da pele nas pontas dos dedos
quem seria "aquela" pessoa em cujo corpo acordava agora?

os traços escapam-se-lhe ao desenho,
no papel nada se fixa,
apenas o esborratado de um pedaço de carvão desfeito em pó
no relevo,
um pontão de madeira feito, um farol, um barco de vela içada...
um rosto de costas voltadas...

quer perguntar: "és tu a minha face?"
não se volta.

lá longe o barco passa,
o farol fica,
o rosto desvanece...

sentes as rugas agora?"

V