Monday, February 26, 2007


And the Oscar went to...

A noite mais aguardada do ano para aficionados de cerimónias de prémios terminou em beleza para Martin Scorcese. Nos anos anteriores em que havia sido nomeado não escondia o olhar melancólico do "ainda não vai ser desta". Este ano esse olhar sumiu-se. Estava mais que visto que ia ganhar. Ou não tivessem subido ao palco Spielberg, Coppola e Lucas. Com os três compinchas ali, o Oscar tava no papo. Mas custa-me que tenha sido por Entre Inimigos, de longe o melhor filme do realizador.
Não por se tratar de um remake ou por o original ser tão bom que pouco mais havia a acrescentar, mas porque Scorcese teve em nomeações anteriores, uma mostra daquilo que realmente é capaz. Um realizador como ele merecia mais do que um double-win, como quem diz: "toma lá o prémio de carreira". Merecia um Oscar por um filme de cunho seu, visão sua e não apenas emprestada. Talvez dê para penhorar, já que vale 153 euros... Ou então para segurar os livros na estante... Ou ainda para atirar à cabeça de alguém, já que pesa quatro quilos...

Babel devia ter ganho melhor filme, mas as narrativas fragmentadas nunca foram muito o estilo da Academia, pelo menos não visualmente. Que o diga o departed Robert Altman. No papel, vulgo argumento, o espartilhado é mais aprazível. Pena, até porque era um filme de linguagem universal. E soletrava o tão apregoado "liberalismo" hollywoodesco. Fica para a próxima. Este foi um ano Entre Inimigos mesmo.

Os Actores

Jennifer Hudson ganhou o prémio de melhor actriz secundária, nunca percebi essa designação, mas não vem ao caso. E trouxe mais uma vez à baila o género "musical". Ainda não vi o filme, mas parece que a Academia anda à procura de música para o seu coração. Nos últimos anos as actrizes secundárias em musicais, andam a dar-lhe bem. E mais uma vez um musical da Broadway conquistou LA. Tendo em conta o leque de actrizes, Hudson seria a minha última aposta. Mas os prémios são mesmo assim, uns ganham, outros perdem. E ainda trazem de volta as Supremes. Dreamgirls, relembrando Diana Ross com menos 20 anos em cima.

Helen Mirren foi a grande senhora da noite, com um discurso ponderado e de elegância britânica. Já era de esperar. De todos os anos este foi o que deu origem a menos dúvidas nesta categoria. Se é que as havia. Serena como uma verdadeira rainha, Mirren agradeceu à mulher que encarnou Elizabeth of Windsor. Duas numa só. Na tela, nem havia espaço para pensar que existiria ali qualquer coisa de Mirren. A noite de A Rainha.

Alan Arkin, o avô mais prá-frentex do ano. Se o senhor não tivesse ganho como melhor actor secundário, dava-me a travadinha. Para quem viu o Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos, a interpretação de Arkin não passa mesmo nada despercebida. Desde ensinar à neta uma coreografia alucinada para a música Super Freak a colar pipocas na ponta da lingua e a não conseguir calar a lingua, aquele avô é um must. Quem dera ainda existir assim algumas pérolas destas.

Numa noite com uma Rainha já galardoada, só faltou mesmo o Rei. Forest Whitaker levou para casa a estatueta pelo seu desempenho no filme O Último Rei da Escócia, o tour de force de um actor que já em Ghost Dog: The way of the Samurai estava memorável. Num discurso emotivo, o tom humano não se conteve na sua voz. Mais uma categoria que era evidente.

Outros Premiados

Melhor Argumento Original
"Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos"

Melhor Argumento Adaptado
"Entre Inimigos"

Melhor Filme Estrangeiro
"A Vida dos Outros" (Alemanha, Florian Henckel von Donnersmarck)

Melhor Filme de Animação
"Happy Feet"

Melhor Curta-Metragem de Ficção
"West Bank Story"(Ari Sandel)

Melhor Curta-Metragem de Animação
"The Danish Poet" (Torill Kove)

Melhor Curta-Metragem Documental
"The Blood of Yingzhou District" (Ruby Yang e Thomas Lennon)

Melhor Documentário
"Uma Verdade Inconveniente"

Melhor Montagem
"Entre Inimigos"

Melhor Direcção Artística
"O Labirinto do Fauno"

Melhor Fotografia
"O Labirinto do Fauno"

Melhor Guarda-Roupa
"Marie Antoinette"

Melhor Caracterização
"O Labirinto do Fauno"

Melhor Banda Sonora Original
"Babel" (Gustavo Santaolalla)

Melhor Canção Original
"I Need to Wake Up" (Melissa Etheridge, "Uma
Verdade Inconveniente")

Melhor Mistura de Som
"Dreamgirls"

Melhor Montagem de Som
"Cartas de Iwo Jima"

Melhores Efeitos Especiais
"Piratas das Caraíbas - O Cofre do Homem Morto".

Aftermath
Numa cerimónia que ainda mantém muita gente acordada até de madrugada, a Academia continua a aviar receitas de elevada sonolência. Não surpreende, segue ao sabor do vento de final scores de festivais e de outras cerimónias anteriores. E teima em cometer erros de casting. Premiar as pessoas certas em anos errados... E descurar ou mal-interpretar pequenas preciosidades...
E assim acontece...

Sunday, February 25, 2007

Céu que cai...

"Na chuva te perco
o rosto que assim nao toco
como as leves gotas
suaves na tua pele
combato os dias de tempestade
qual miríade
pois forte é o batalhão adversário
ciúme de seu nome,
em mim me desfere feridas, certeiro
me cobre em seu sudário,
me abandona ao desgoverno alheio.
na loucura que se afoga em minhas veias
combatente desaparecido
ausente em tua voz
num contentamento que não é meu,
da água que cai
resta o grito feroz
que me rasga por dentro
meu desgosto
minha perda
a de ser cego, deposto
de mágoas tristes
cólera infundada
podia apenas na aguada
saber que é teu o rosto que sinto.
cai suavemente como a chuva
sobre momentos que nunca foram meus
talvez teus fossem ou mesmo nossos
se num ferimento não extinto
não vendesse a alma
por um vintém.
de tocar
me quis fazer norte
na rosa dos ventos, calma
o oeste, o este, o sul, apenas
sem referência navegar
se ao menos a chuva
soubesse eu
que te trazia
sem querer,
meus olhos fecharia
ao longe
sentindo
o perfume que deixaste
ao nascer do dia
meu tumor conter
de vicio ardente
devia ter sido o meu poente
acordei
ausente
na chuva,
meu crucifixo
de voz nua
sorriso presente
numa gota,
de água,
desagua o intento, corrieiro
pescador devoto
de um tempo fugaz
que de mim te leva
e a chuva traz."
V

Thursday, February 22, 2007


Arame

"às vezes porque parece e não é
às vezes porque é e não aparece
o saldo de um erro
um zero na palavra
o ar que se desconhece
o uivo que ao longe corre para o desterro
os campos de lavra
as manhãs
as tardes
as noites
tudo meros açoites de uma voz
que de dentro para fora, desfia e entala
que se coze e se contrai,
num instante de pedaços de noz
ou de qualquer albatroz
a carne seca que não sangra
mas se fere...
desperta na sala que se chama estar
o eco de um ai
o estremercer das persianas com o vento,
mera cantilena do velho desatento
o aroma que não se esquece
a voz que se escuta
o gesto que permuta
o olhar que geme e se cala
atrás de uma porta
às vezes
ou simplesmente fica à escuta
não aguenta a força da bala
trespassada por veias sinuosas
quais cobras venenosas
ás vezes
por vezes
tantas
o ai que fica,
que rompe,
não sai."
V

Wednesday, February 14, 2007

..."c'è un altro cielo,sempre sereno e bello,e c'è un'altra luce del sole,sebbene sia buio là..."






Wednesday, February 07, 2007

...

"I now walk to my death
In deep shadows of dare
thus my heart stills
in your little snare

Sounds live long in me, no more
I stopped breathing here
Cause this is not my shore
But yours to see

I've mellowed my pain
sometimes with fear
sometimes with disdain
sometimes in silence
to hold my heart so close to ear

Shush thy spearing
blind my eyes
sew my loins
bury my soul

Madness is my feud
Ear voices and such
Was I too sweet?
Was my heart so much?

I'm going
for in this hour and
in this day
I can no longer stay"

V

Saturday, February 03, 2007


In the bedroom está para Vidas Privadas como Little Children está para Pecados Íntimos, ou seja, uma falha na tradução. No primeiro caso a narrativa nada tem a ver com privacidade. No segundo não existe pecado. O único "pecado" subjacente ao título português é o de imediatamente identificarmos essa palavra com a infidelidade que trespassa a vida de Sarah (Kate Winslet) e Brad (Patrick Wilson). Mas é muito mais do que isso.

Todd Field é perito em mostrar-nos a intimidade. Com uma consciência narrativa da banalidade do dia-a-dia, de pequenas comunidades americanas, impressionante. Em Little Children (era bom que tivessemos decidido manter o título original) apercebemo-nos que de facto todos os personagens são crianças. Não no sentido infantil, mas no sentido de "começar de novo", de cometer erros e seguir em frente. Talvez "pecando" por uma perda dessa ingenuidade característica dos mais pequenos.

A história daquela pequena comunidade dos arredores de Boston é uma história de solidões colectivas, de como a intimidade transparece para o exterior da mesma forma que o sofrimento não consegue ser retirado do rosto daqueles personagens. É impossível não reparar na dor melancólica do olhar de Kate Winslet.

Mais do que a dor espelhada nos rostos, vem à superfície a ausência de comunicação. Não se diz, não se vê e sente-se por intervalos. Talvez o grande pecado de que o título português fala seja precisamente esse: a perda dessa capacidade que as crianças têm de "dizer".

No intervalo do não dito, apercebemo-nos que os erros fazem parte do crescimento. Mas ao invés de nos deixarmos superar por eles, é olhar para eles e com eles seguir em frente. Não podemos alterar o que já está feito, mas podemos pegar aí, arrumar na mala e continuar a viajar.

Um filme repleto de intensidade, uma narrativa de ausências, numa palavra: a Vida.

Friday, February 02, 2007


Just...
Like a frame.
one frame,
one second.
a movie...
me...
Just...

Thursday, February 01, 2007

E se eu fosse um personagem de uma história qualquer?

Gostava pelo menos de poder escolher o género. Uma história de Woody Allen ou de Almodovar talvez. Eles sabem dar vida a leading ladies. Consideremos o primeiro caso: Allen
Talvez me retratasse como uma psicóloga neurótica que depois da sessão com os seus pacientes vai ela própria consultar o seu psi. Beberia cappuccinos ou frappacinos em catadupa, teria ataques recorrentes de verborreia ou mesmo sindrome de Turet, as refeições seriam todas tomadas em movimento, mesmo a conduzir, para estacionar o carro deveria fazê-lo à francesa e provavelmente seria desastrada ao ponto dos sacos das compras rebentarem sempre. Uma psicóloga bem sucedida mas com problemas existenciais à altura do seu psi, um personagem representado pelo próprio Allen, claro.

Consideremos o segundo caso: Almodovar.
Talvez me retratasse como uma mulher bem sucedida mas com ataques recorrentes de histeria. Usaria sempre saltos altos, prontos a esmagar com a sua ponta afiada quem se atreva a cruzar-se no caminho. Seria oriunda de uma família tresloucada que nos almoços ou jantares ou era ao estalo ou ao passo de dança. Teria um clube de amigas do corte e costura. E ainda era capaz de aguentar um bom brandy. As cordas vocais, essas sempre afinadas para discutir ou gritar com condescendências inuteis. Ah e claro bela dose de humor sarcástico.

Enfim divagações... Tenho um papel numa "peça" que vai sendo escrito e não é nem uma história de Almodovar nem de Allen ou talvez seja de ambos. Um grupo AA, ein. Maravilha. The plot thickens...And so do I.

Will Ferrell é Harold Crick, que é um personagem criado pela escritora Kay Eiffel (Emma Thompson). A vida de Harold é rotineira ao ponto de ele contar exactamente o número de escovadelas que dá aos dentes, o número de passos que dá até à paragem do autocarro e de em apenas dois segundos responder quanto é 43 vezes 355. Não é este o número exacto, mas dá para perceber a base da vida de Harold: o cálculo e o hábito. Está tão acostumado à sua vida cheia de números que se esquece de cumprir o único sonho que sempre teve: aprender a tocar guitarra.

Nestas linhas o filme podia ser como qualquer outro: a certa altura o personagem principal manda tudo à fava e aprende a viver. Mas não é como outro qualquer. É verdade que manda tudo à fava e também é verdade que aprende a viver. Mas é tudo obra de ficção. Confusos?

Emma Thompson está brilhante no papel da escritora eremita que imagina pessoas a saltar de edifícios, acidentes de automóvel e até vai às urgências de um hospital para tentar chegar à conclusão de como deve "matar" o personagem do seu livro. "Little did he know..." escreve ela a certa altura e Harold ouve. Aliás é a partir daqui que Harold embarca numa longa cruzada para descobrir de quem é aquela voz que "narra" a sua vida. Dá de caras com um professor universitário de literatura muito peculiar: Dustin Hoffman, que tenta ajudá-lo a descobrir se vive numa comédia ou numa tragédia.

Aos poucos Harold liberta-se do cálculo e aposta no imprevisto, que dá pelo nome de Ana Pascal, também conhecida por Maggie Gyllenhaal. É por esse encontro e num dos momentos mais esmagadores do filme, com a entrega de "farinhas", que em inglês se assemelha foneticamente a "flores", que Harold começa a viver. E começa a gostar tanto daquela sua "nova" vida que não quer morrer.

Como irá Kay Eiffel terminar a história de Harold?
Não posso revelar. Não gosto de estragar o final dos filmes. Mas posso apenas dizer que mesmo sendo "Stranger than Fiction" é uma estranheza que nos acarinha o coração e nos faz sorrir. Porque é nas pequenas nuances, nos pequenos detalhes do dia-à-dia que se encontra sentido, como saborear bolachas de macadamia.

Uma história de ficção mais real que a própria ficção. O encontro do personagem criado com o escritor, a veracidade transposta da página para a vida, a possibilidade de mandar tudo à fava. Tudo elementos de uma narrativa que encanta e comove. No final dos créditos, na minha cabeça Kay Eiffel disse: Stranger than fiction? Well, that's life itself...